Direito de Vizinhança nas relações entre condóminos

As relações de vizinhança entre proprietários de imóveis ganham maior destaque quando, em causa, se apresenta o uso, a fruição e a disposição de frações autónomas e respectivas partes comuns, constituídas em regime de propriedade horizontal.

 

Tal não poderia deixar de acontecer, uma vez que a propriedade horizontal é precisamente caracterizada pela existência de uma grande proximidade física entre as frações autónomas - geralmente destinadas à habitação - que, em regra, se dispõem num único edifício.

 

É a própria contiguidade das habitações que conduz, inevitavelmente, a um entrosamento involuntário das esferas jurídicas dos proprietários que, além do mais, no caso da propriedade horizontal, acabam por ser comproprietários das partes comuns do edifício.

 

Esta proximidade física de frações autónomas pertencentes a diferentes sujeitos, com hábitos de vida - em muito casos - diametralmente opostos, é passível de vir a gerar conflitos de difícil resolução…

 

Em Portugal, a tutela da vizinhança não se encontra ainda desenvolvida em termos que permitam uma rápida e clara resolução dos conflitos, muito menos no que respeita à figura da propriedade horizontal que, como verificámos, vem propiciar o surgimento de desentendimentos.

 

Desta forma, a vida prática impele à necessidade de recorrer a figuras genéricas do ordenamento jurídico que possam configurar-se de molde a enquadrar o presente tema, de forma a suprir as lacunas existentes.

 

No entanto, ainda que insipiente e, desse modo, insuficiente, este chamado direito da vizinhança encontra-se já configurado em algumas disposições avulsas do Código Civil (adiante designado CC), nomeadamente no capítulo que dispõe quanto à propriedade de imóveis.

 

Vem contudo, em momento anterior, o artigo 1305º do CC estabelecer o conteúdo do direito de propriedade, realçando a necessidade de tal direito ser exercido dentro dos limites da lei e das restrições que esta impõe aos proprietários.

 

Os artigos 1346º e seguintes do CC impõem várias restrições aos proprietários dos imóveis por via da atribuição de direitos aos vizinhos que, desse modo, podem opor-se à emissão de fumo, à produção de ruídos e a factos semelhantes.

 

O direito da vizinhança aí contemplado, proíbe aos proprietários de imóveis contíguos a construção ou manutenção de obras ou instalações prejudiciais, bem como, entre outros, a realização de escavações, se tais actividades causarem prejuízo aos vizinhos.

 

Também no que toca à propriedade horizontal, o CC prevê a limitação dos direitos dos proprietários e dos comproprietários de bens imóveis, por força do regime de propriedade vigente.

 

O artigo 1422º veda aos condóminos o prejuízo da linha arquitectónica ou do arranjo estático do edifício, o destino da fração a usos ofensivos dos bons costumes, o uso diverso do fim a que é destinada a fração, assim como a prática de actos ou actividades proibidos pelo título constitutivo ou regulamento do condomínio.

 

Não obstante as previsões legais supra enunciadas, é importante realçar que não só no campo patrimonial se observa, com frequência, a violação dos deveres de boa vizinhança pelos proprietários de imóveis, ainda mais em regime de propriedade horizontal.

 

Na verdade, é também no que respeita aos direitos de personalidade dos vizinhos que se verificam agressões na relação que se estabelecem entre os proprietários de imóveis contíguos importando, nesse sentido, aferir de que forma se podem aqueles direitos salvaguardar.

 

O artigo 70, n.º 1 do CC tutela, de forma genérica, os direitos de personalidade dos indivíduos, contra as ofensas ilícitas ou as ameaças perpetradas contra a integridade física ou moral dos cidadãos.

 

Quando se menciona a agressão aos direitos de personalidade dos proprietários de imóveis, está essencialmente em jogo o direito à integridade física, o direito à qualidade de vida e, do mesmo modo, o direito à saúde.

 

Estes são, além do mais, direitos constitucionalmente protegidos e assegurados aos cidadãos, que se podem reflectir em diversos aspectos ou domínios da sua vida privada, bem como em direitos específicos como a tranquilidade, o repouso ou o sono.

 

A estes direitos de personalidade opõe-se naturalmente o direito de propriedade dos condóminos, no sentido em que a cada proprietário está reservada a faculdade de usufruir e dispor da sua fração autónoma.

 

Como se poderão, então, conciliar dois tipos de direitos que, aparentemente, neste domínio se confrontam entre si?

 

Será legítimo a determinado indivíduo decidir alterar a disposição do mobiliário da sua fração, arrastando os móveis pela noite dentro, inviabilizando o repouso e o descanso do vizinho da fração situada no patamar imediatamente inferior?

 

E, do mesmo modo, será admissível que o proprietário de uma fração térrea se disponha a realizar festas no jardim durante todo o Verão, colocando uma aparelhagem a tocar música em alto som durante toda a noite?

 

É evidente que, perante uma situação em que se confrontam dois direitos absolutos, na falta de uma delimitação rigorosa de ambos, tem de se condicionar obrigatoriamente um destes.

 

Dispõe o artigo 335º do CC no sentido da necessidade de cedência, na medida do necessário, dos titulares de direitos que se confrontem sendo que, em caso de colisão, deve prevalecer o que se considere hierarquicamente superior.

 

Neste caso, não existirão dúvidas em classificar os direitos de personalidade como prevalecentes, assumindo-se a defesa da saúde, da integridade física e moral e da qualidade de vida em detrimento da tutela da propriedade, em caso de conflito gritante.

 

Verificando-se a sua agressão, a tutela dos direitos de personalidade poderá viabilizar-se nomeadamente através do meio processual consagrado no artigo 1474º do CPC.

 

O indivíduo lesado pode fazer valer os seus direitos por via do instituto geral da responsabilidade civil, dispondo igualmente da possibilidade de requerer as providências adequadas com o fim de evitar a consumação da ameaça ou de cessar as actividades susceptíveis de causar prejuízo.